Senadores apontam contradições em depoimento do ex-ministro Pazuello à CPI da Covid

Senadores apontam contradições em depoimento do ex-ministro Pazuello à CPI da Covid



O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi acusado por senadores de mentir e de cair em contradição durante depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid nesta quarta-feira (19).

A audiência teve início pouco depois das 9h e teve de ser suspensa por volta das 16h, após a abertura dos trabalhos do plenário do Senado — as comissões não podem funcionar simultaneamente às sessões deliberativas do plenário.

Inicialmente, a previsão era a de que a sessão fosse retomada ainda na noite desta quarta. Mas após o senador Otto Alencar (PSD-BA) ter relatado que Pazuello havia passado mal, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), marcou a continuidade do depoimento para quinta-feira (20). O ex-ministro disse apenas que o pé inchou. Segundo Aziz, Pazuello estava pronto para continuar a depor, mas havia previsão de a sessão do plenário se prolongar.

O depoimento de Pazuello era considerado, até agora, o mais importante pela cúpula da CPI.
À comissão, o ex-ministro deu explicações sobre o processo de aquisição de vacinas, as negociações sobre vacina com a farmacêutica Pfizer, as informações repassadas ao presidente da República, a atuação da pasta sobre o tratamento precoce e o colapso do oxigênio em Manaus no início do ano.
Após o depoimento do ex-ministro, o relator Renan Calheiros defendeu a contratação de agências que fazem checagem de fatos para ajudar nos trabalhos da comissão.

“Isso é importante porque tá ficando chato, num caso desses [o de Pazuello], por exemplo, você ficar falando: ‘Olha, isso é uma mentira’, ‘O senhor não respondeu’, ‘Por favor, seja objetivo’. Isso é uma coisa que cansa e deixa a gente um chato de galochas. É melhor que tenha alguém fazendo isso com rapidez”, disse o parlamentar.

O emedebista afirmou que, na retomada do depoimento do general nesta quinta-feira, vai citar todas as mentiras e imprecisões contadas por Pazuello à CPI. “Ele talvez não tenha contado todas as vezes, tenha perdido a conta. É muita coisa”, disse.
Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, disse que, se a comissão tiver que chamar testemunhas para fazer acareações e constatar todas as contradições de Pazuello, essas medidas ocuparão toda a agenda.

“Teríamos de acarear com a Pfizer, com o Butantan, com o secretário de Saúde do Amazonas. Se for acarear com todos, acabava a CPI só com acareações”, afirmou.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) disse que Pazuello mentiu sobre o envio de comprimidos de cloroquina a Manaus, durante o colapso de saúde na capital do Amazonas, e sobre tratativas com o Butantan por doses da Coronavac.

“Documentação feita pelo próprio Ministério da Saúde mostra claramente a manifestação de interesse, por parte do Ministério da Saúde, de compra da CoronaVac. O presidente Jair Bolsonaro fala, no dia seguinte, que não vai comprar coisa nenhuma porque é da China, e, depois, o ministro diz: ‘Olha, o presidente manda, e eu obedeço'”, afirmou.
Oxigênio no Amazonas

Ao tratar das ações federais no Amazonas durante o depoimento, o ex-ministro Eduardo Pazuelllo afirmou que o fornecimento de oxigênio era competência do próprio estado, e não do governo federal.

“A execução plena é do estado, do município. Não há essa discussão. Quando nós fomos a Manaus, era porque nós estávamos vendo que a situação não estava boa. Nós não sabíamos ainda de oxigênio. No momento que eu soube de oxigênio, já comecei a agir imediatamente”, disse.

Pazuello disse ainda que foi informado sobre a falta do insumo na noite do dia 10 de janeiro. O presidente e o vice-presidente da CPI, porém, apresentaram um dado diferente.

Segundo eles, o secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campelo, disse, em depoimento à Polícia Federal, que avisou o então ministro sobre a falta de oxigênio no dia 7 de janeiro – três dias antes, portanto.
“Eu quero alertar Vossa Excelência que a data que o secretário de Saúde diz que falou ao telefone foi dia 7 de janeiro”, afirmou Omar Aziz.

Também senador pelo Amazonas, Eduardo Braga (MDB) reagiu:

“Presidente, é preciso dizer ao povo brasileiro, sob pena de nós estarmos aqui sendo coniventes com uma informação errada, mentirosa: não faltou oxigênio no Amazonas apenas três dias. Faltou oxigênio por mais de 20 dias. É só ver o número de mortos, é só ver o desespero das pessoas tentando chegar ao oxigênio”.

O ex-ministro negou ter esses dados, e o presidente da CPI avisou que faltar com a verdade iria provocar “consequências muito grandes”.

“Nós não iremos parar enquanto não acharmos a verdade”, disse Aziz.

Na sequência, o senador disse que tinha em mãos um documento do próprio Ministério da Saúde no qual a pasta relata que Pazuello havia sido comunicado sobre a falta de oxigênio.
Tratamento precoce

Durante depoimento à CPI, Eduardo Pazuello foi questionado várias vezes sobre a recomendação para produção e distribuição de cloroquina, medicamento comprovadamente ineficaz contra a Covid-19.

Ao ser indagado pelo relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), o ex-ministro disse que o presidente Jair Bolsonaro não deu, “em hipótese alguma”, ordens diretas sobre tratamento precoce, que envolveria o uso do remédio, contra a doença. Bolsonaro é um defensor do medicamento, de ineficácia cientificamente comprovada no tratamento da Covid-19.

Ainda sobre o tema, Renan Calheiros questionou o general sobre a plataforma “TrateCov”, do Ministério da Saúde, que recomendava o tratamento precoce a pacientes com sintomas que podem, ou não, ser da Covid-19, inclusive, com a indicação de cloroquina.

Pazuello afirmou que o aplicativo foi uma sugestão da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, chamada pelos senadores de “Capitã Cloroquina”, em razão da defesa que faz do remédio ineficaz. Ela deve depor à CPI na próxima semana.
O ex-ministro, entretanto, disse que a plataforma “nunca entrou em operação”. Mas o aplicativo chegou a ficar disponível e foi retirado do ar em 21 de janeiro.

“Foi apenas apresentado o protótipo em desenvolvimento e foi copiado por alguém. E tem um relatório policial sobre isso”, declarou o militar.

Em 19 de janeiro, porém, o Ministério da Saúde lançou o aplicativo em Manaus, com participação de Pazuello. O evento foi, inclusive, registrado pela TV Brasil, emissora pública financiada pelo governo.

Presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) afirmou que a capital do Amazonas foi usada como “cobaia” para teste da ferramenta “TrateCov”.

“Isso aí é crime contra um estado, isso é crime contra as pessoas que moram na minha cidade. É cobaia, sim”, declarou Aziz.

Eduardo Braga também mencionou o lançamento da plataforma em Manaus. “O aplicativo TrateCov está na TV Brasil, com propaganda oficial. No dia 19 de janeiro de 2021, na minha cidade, na cidade de Manaus, como recomendação”, protestou Braga.
CoronaVac

Pazuello também foi questionado sobre tratativas para compra de doses da vacina Coronavac, da chinesa Sinovac, produzida no Brasil pelo Instituto Butantan.

Em outubro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro desautorizou Pazuello, ao mandar cancelar um protocolo de intenções, anunciado pelo ex-ministro, de compra de 46 milhões de doses da Coronavac.

Em uma rede social, o presidente afirmou: “Não compraremos vacina da China”. Pazuello, após ter sido desautorizado pelo presidente, gravou um vídeo, ao lado de Bolsonaro, em que dizia: “É simples assim: um manda e o outro obedece”.

Apesar das declarações públicas de Bolsonaro, Pazuello afirmou que o presidente “nunca mandou” desfazer qualquer contrato ou acordo de intenções com o Butantan. E que as falas sobre a Coronavac, que foi motivo de disputa entre o presidente e o governador de São Paulo, João Doria, foram meramente políticas.
“Quando ele se pronuncia, quando ele recebe uma posição de um agente político de São Paulo, ele se posiciona como agente político também daqui para lá. Então, eu queria dizer que a posição de agente político dele ali não interferiu em nada do que nós estávamos falando com o Butantan”, disse Pazuello.

A explicação do general provocou reação da oposição.

“O ex-ministro está fabulando. Todas as suas ações passaram pelo crivo e aprovação prévia do Bolsonaro. Lembrem o episódio quando foi rasgado o acordo com o Butantan: ele foi desmentido ao vivo pelo Bolsonaro. Tudo que ele está falando que fez não é verdadeiro. Quem o controlava era o Bolsonaro e seus generais”, disse o senador Rogério Carvalho (PT-SE).

Assessoramento paralelo

Perguntando sobre a existência de um “assessoramento paralelo” e sobre o envolvimento nisso do vereador do Rio Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, Pazuello disse que iria “botar uma pedra no assunto”.
“Nunca, nunca, e vou repetir: nenhuma vez eu fui chamado para ser orientado pelo presidente da República de forma diferente por aconselhamentos externos. Nunca, nenhuma vez”, respondeu.

“Não quero dizer com isso que qualquer pessoa, e principalmente um presidente da República, não ouça, não levante dados ou não procure avaliar o que está acontecendo em volta dele. Daí, para ele trazer de lá ou trazer de qualquer relação uma orientação contrária a uma posição do ministério ou minha, nunca houve”, respondeu.

A atuação de uma espécie de gabinete paralelo foi apontada pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.

Segundo ele, o filho do presidente Carlos Bolsonaro chegou a participar de reuniões para discutir ações relacionadas à pandemia.

Gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, confirmou em depoimento à CPI que o filho do presidente participou de reuniões.
O presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, contou ainda à CPI que a médica Nise Yamaguchi discutiu uma proposta sobre a alteração da bula da cloroquina.


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Fonte: G1

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