Pauta econômica não resolvida em 2023 assombra início do ano de Lula
Ainda em meio ao recesso legislativo, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) inicia o ano de 2024 com a necessidade de avançar em uma pauta que não conseguiu resolver em 2023: a questão da desoneração da folha de pagamentos. Nestes primeiros meses do ano, Lula precisa aparar arestas na articulação política.
O governo calcula que a rejeição ou devolução da Medida Provisória (MP) da Reoneração pelo Congresso – que já ameaça derrotar o governo – pode prejudicar a meta de déficit zero, objetivo deste segundo ano de mandato. Isso porque há um cálculo de que prorrogar a desoneração custaria R$ 16 bilhões aos cofres públicos, em um momento em que o Ministério da Fazenda aperta as contas e busca R$ 168 bilhões em receitas adicionais.
O primeiro ano de gestão foi marcado por uma sucessão de pautas econômicas, de Reforma Tributária à taxação de fundos, passando por questões mais áridas, como o Novo Marco Fiscal e outras medidas arrecadatórias. Com isso, a Fazenda ficou sem tempo hábil para endereçar o tema ao longo do ano passado e o problema foi herdado para este ano.
Azeitar as relações com o Legislativo a partir de uma articulação efetiva com o Congresso é uma das demandas no topo da lista do chefe do Planalto para 2024. O petista terá que conciliar a demanda em meio às próprias agendas políticas em ano de eleições municipais.
Lula garantiu, por exemplo, que pretende viajar o país este ano, e não deve deixar de lado a agenda internacional durante a Presidência do Brasil no G20.
A agenda econômica desperta tanta tensão no Planalto que levou o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a não comparecer à edição deste ano do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, que será realizado entre os dias 15 e 19 de janeiro. Haddad esteve no evento do ano passado, o primeiro realizado na terceira gestão Lula.
Agora, Haddad se vê às voltas com a pauta econômica e as negociações com o Congresso. Uma crise que vem desde os últimos momentos de 2023 envolve justamente a reoneração da folha de pagamentos, em uma disputa que coloca a Fazenda de um lado e empresas e sindicatos de outro.
Na prática, a desoneração representa uma redução nos encargos trabalhistas pagos pelas empresas de alguns setores. No padrão normal, sem a desoneração, essas companhias pagariam 20% na contribuição previdenciária, como é conhecida a folha de salários. Com a regra diferenciada, passaram a pagar alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta.
Entenda
A desoneração começou a ser implementada no primeiro governo de Dilma Rousseff (PT), em 2011, para aliviar encargos tributários e estimular a geração de empregos. Desde então, passou por sucessivas prorrogações.
A desoneração seguiria válida para 17 setores da economia até 31 de dezembro de 2023. No entanto, o Congresso articulou sua extensão por mais quatro anos, até 2027. Desde que as negociações começaram, Haddad indicou que essa prorrogação seria inconstitucional.
Há pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (órgão vinculado à Fazenda) que sustentam a posição do ministro. A justificativa é de que a emenda constitucional da Reforma da Previdência, aprovada em 2019, impediria mudança na base de cálculo, com criação e prorrogação de tributos ou benefícios fiscais.
De outro lado, porém, a Câmara dos Deputados já declarou a medida constitucional, no parecer emitido pela Secretaria-Geral da Mesa da Câmara dos Deputados, no ano de 2020, em meio à pandemia do coronavírus.
Vaivém
Na contramão do que defendia a equipe econômica, o Congresso aprovou a prorrogação. Na sequência, por orientação da AGU e da equipe econômica, o presidente Lula vetou o texto. De volta ao Congresso, que dá a palavra final, o veto presidencial foi derrubado.
Na última semana do ano, já no apagar das luzes de 2023, Haddad anunciou uma medida provisória (MP) para revogar a extensão da desoneração da folha e instituiu uma reoneração gradual dos setores hoje contemplados pelo benefício.
A medida proposta pela equipe econômica é também uma forma de evitar que o tema seja judicializado, como queria inicialmente o governo. Mas ainda é possível que a extensão da desoneração seja levado ao Judiciário.
Governo aposta em MP de reoneração da folha, mas não descarta Justiça
Articulação política
Com férias autorizadas entre os dias 2 e 12 janeiro, Haddad interrompeu seu período de descanso para participar do ato alusivo ao primeiro ano do 8 de Janeiro. Ele aproveitou o dia para se reunir com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e com os líderes do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).
Na ocasião, ele deixou a estratégia em prol da MP azeitada com seu número dois, o secretário-executivo Dario Durigan (que assume o posto de ministro interino na ausência do titular).
Isso porque, nesta terça (9/1), às 10h, será realizada um reunião de líderes partidários com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em Brasília, justamente para discutir a medida.
Entenda a MP do governo sobre a reoneração da folha de pagamento
Na MP da reoneração, o governo mudou a lógica. Em vez de divisão por setores, optou por uma divisão das empresas em dois grupos, considerando a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). Ficou previsto que vale a atividade principal (isto é, aquela de maior receita auferida ou esperada) de cada negócio, com base no ano-calendário anterior.
Haverá um escalonamento das alíquotas pagas sobre a folha de salários entre os anos de 2024 e 2027, com percentuais que variam de 10% a 17,5% ou de 15% a 18,75%, conforme o grupo.
Segundo o texto, as alíquotas reduzidas previstas só serão aplicadas sobre o salário de contribuição do segurado até o valor de um salário mínimo (de R$ 1.412). Sobre o valor que ultrapassar esse limite, serão aplicadas as alíquotas vigentes na legislação.
A medida começa a valer em 1º de abril. Até lá, a desoneração dos 17 setores da economia continua valendo.
Fonte: metropoles.com