Desabamento de galpão no Jaraguá expõe falhas contratuais e pode gerar responsabilização solidária, aponta advogada

O acidente ocorrido no último dia 24 de maio, no Estacionamento do Jaraguá, em Maceió, quando parte do teto de um galpão desabou durante um serviço de destelhamento, trouxe à tona sérias questões sobre a responsabilidade legal na execução de obras públicas. Quatro trabalhadores estavam no local no momento do desabamento. Um deles, Wilton Albuquerque Costa, de 60 anos, morreu, e os outros três ficaram feridos. As causas estão sendo investigadas pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Trabalho.

Para compreender as implicações jurídicas do caso, o CadaMinuto ouviu a advogada empresarial trabalhista Sarah Maia, que analisou os aspectos legais envolvidos e explicou como a ausência de alvará, a inobservância das normas de segurança e a omissão na fiscalização contratual podem levar à responsabilização solidária tanto da empresa executora quanto do ente público contratante.

Na entrevista a seguir, Sarah Maia detalha as bases legais que sustentam essa responsabilização, comenta as possíveis sanções civis, administrativas e penais e ressalta a importância de garantir a segurança do trabalhador como princípio inegociável nas relações de trabalho e contratos públicos. Confira a íntegra da conversa.

Em um caso de acidente grave durante a execução de uma obra pública, como se define a responsabilidade entre o ente público contratante e a empresa executora?

A responsabilidade pode variar conforme o caso concreto, mas em regra, a empresa executora responde diretamente pelos atos praticados no curso da execução da obra, inclusive por acidentes de trabalho, nos termos do art. 932, III, do Código Civil. No entanto, o ente público também pode ser responsabilizado, especialmente se restar comprovada a omissão na fiscalização do contrato administrativo ou na exigência de medidas de segurança adequadas, conforme o princípio da função social do contrato e da responsabilidade objetiva do Estado (art. 37, §6º, da Constituição Federal).

O contrato administrativo firmado por meio de licitação transfere integralmente à empresa a responsabilidade pela obra e pelos trabalhadores?

Não. Embora o contratado responda diretamente por seus empregados e pela execução da obra, o poder público não se exime de seu dever de fiscalização, nos termos do art. 117 da Lei nº 14.133/2021. A jurisprudência reforça que o poder público não pode se omitir do acompanhamento da execução contratual, sob pena de responsabilidade subsidiária ou até solidária, a depender da comprovação da omissão.

Mesmo com a contratação terceirizada, o poder público pode ser responsabilizado por falhas na execução da obra ou por omissão na fiscalização?

Sim. O poder público pode ser responsabilizado com base na teoria da responsabilidade objetiva do Estado, especialmente quando houver falha ou omissão no dever de fiscalização da execução contratual. A ausência de alvará, por exemplo, ou a continuidade de obra embargada sem providências corretivas por parte do ente público, pode caracterizar culpa in vigilando.

Em que casos a responsabilidade pode ser compartilhada entre o contratante público e a empresa contratada? Há precedentes judiciais nesse sentido?

A responsabilidade pode ser compartilhada quando ficar comprovado que tanto a empresa quanto o poder público contribuíram para o evento danoso. A jurisprudência reconhece essa possibilidade, sobretudo quando o ente público não fiscaliza adequadamente a obra ou permite que ela ocorra em desconformidade com as normas legais. Exemplo disso é o julgamento do STF no RE 760.931, com repercussão geral reconhecida. É importante ressaltar que a análise de cada caso específico é fundamental para determinar a natureza da responsabilidade (subsidiária ou solidária) e a extensão da responsabilidade de cada parte.

No caso de morte ou ferimentos de trabalhadores, o ente público pode ser condenado a pagar indenizações?

Sim. No caso específico do desabamento no Jaraguá, que resultou na morte de um trabalhador, a gravidade do evento reforça a necessidade de responsabilização objetiva. Havendo omissão comprovada do ente público quanto à fiscalização ou permissão para execução de obra irregular, como é o caso da ausência de alvará, a responsabilização será solidária com a empresa contratada, e não apenas subsidiária, dada a falha estrutural conjunta na proteção ao trabalhador.

O poder público pode rescindir o contrato com a empresa após um acidente desse tipo? Em que condições?

Sim. Conforme o art. 137 da Lei nº 14.133/2021, a Administração pode rescindir unilateralmente o contrato em caso de inadimplemento das cláusulas contratuais, inexecução total ou parcial da obra, ou prática de infrações legais. A ocorrência de acidente grave, sobretudo se houver dolo, culpa grave ou descumprimento de normas de segurança, configura motivo para rescisão contratual com aplicação de sanções.

Há mecanismos legais que permitam punir a empresa e evitar que ela participe de novas licitações? Como funciona esse processo?

Sim. A empresa pode ser declarada inidônea para licitar e contratar com a Administração Pública, nos termos do art. 156 da Lei nº 14.133/2021. Para isso, é necessário processo administrativo com ampla defesa e contraditório. O Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) é o instrumento que centraliza essas sanções.

Qual a diferença legal entre contratar uma empresa formalizada e um profissional autônomo para uma obra em casa?

A contratação de empresa formalizada oferece maior segurança jurídica, pois pressupõe CNPJ ativo, responsabilidade técnica e cumprimento de normas trabalhistas e previdenciárias. Já o profissional autônomo responde pessoalmente pelos riscos da atividade e, na maioria dos casos, não tem cobertura legal em caso de acidentes. Ainda assim, o contratante pessoa física pode ser responsabilizado, sobretudo se não forem exigidos os documentos mínimos, como comprovante de inscrição no INSS e uso de equipamentos de proteção.

A pessoa física pode ser responsabilizada por acidentes de trabalho ocorridos em uma obra domiciliar? Em quais circunstâncias?

Sim. A responsabilidade da pessoa física decorre da negligência quanto à segurança e às obrigações previdenciárias. Se o contratante não exigir o uso de EPIs, não fiscalizar as condições da obra, ou não contribuir para o INSS quando exigido, poderá responder civil e até criminalmente, especialmente em caso de morte ou lesão grave. Conforme o art. 157 da CLT, cabe ao empregador garantir a segurança e saúde no ambiente de trabalho. 

Quais cuidados legais o contratante deve tomar para se resguardar ao contratar uma empresa para obras em residência?

Deve-se exigir:

• CNPJ e regularidade fiscal da empresa;

• ART ou RRT do responsável técnico;

• Contrato por escrito prevendo obrigações de segurança do trabalho;

• Comprovantes de contribuição previdenciária;

• Apólice de seguro de responsabilidade civil;

• Licenciamento municipal (alvará de obra);

• Registro fotográfico da obra e da utilização de EPIs.

É possível responder criminalmente por um acidente ocorrido com um trabalhador na obra?

Sim. A depender da gravidade e das circunstâncias, o contratante (pessoa física ou jurídica) pode responder por homicídio culposo (art. 121, §3º, do Código Penal), lesão corporal culposa (art. 129, §6º, do Código Penal), ou infrações às normas de segurança do trabalho (art. 132, CP).

O contratante deve exigir algum tipo de seguro ou cobertura por parte da empresa contratada?

Sim. É recomendável que se exija apólice de seguro de responsabilidade civil e de acidentes de trabalho, assegurando cobertura em caso de danos a terceiros ou aos trabalhadores. Tal exigência pode ser feita contratualmente e serve como prova de diligência do contratante.

E se a obra não tiver alvará ou estiver irregular com a prefeitura, isso afeta a responsabilidade?

Sim. A ausência de alvará caracteriza irregularidade que pode agravar a responsabilidade do contratante, inclusive com risco de responsabilização solidária em caso de danos. A execução de obra sem licença pode ensejar autuação administrativa, responsabilização cível e até penal, especialmente se houver acidente decorrente de condições inseguras ou inobservância das normas urbanísticas e ambientais.

O que revela o desabamento ocorrido no Jaraguá?

O caso do desabamento no bairro Jaraguá expõe um ciclo de omissões que comprometeu a segurança dos trabalhadores e culminou na morte de um cidadão. A responsabilização solidária entre a empresa contratada e o poder público é juridicamente justificada diante das evidências de obra sem alvará, ausência de medidas preventivas e negligência na fiscalização.

Cabe à Administração Pública não apenas apurar os fatos, mas também adotar medidas corretivas imediatas, como rescisão contratual, aplicação de sanções legais e revisão dos mecanismos internos de controle. Do mesmo modo, as vítimas e seus familiares devem ser integralmente reparados pelos danos sofridos, inclusive com medidas judiciais, se necessário.

Recomenda-se, ainda, o reforço da cultura de segurança em obras públicas e privadas, com exigência real de planejamento, licenciamento e fiscalização rigorosa, como forma de prevenir tragédias e preservar vidas.

Fonte: Cada Minuto

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