“Que moraram comigo, viveram comigo, e eu tive que dar rumo, são quatro. Com o Diego [filho de consideração], cinco. Agora, tem gente aí que você vai perguntar e vai te falar: ‘sou filho da Yone na militância, tanto meninos como meninas, cis e trans.”
Aos 69 anos, Yone Lindgren não tem apenas filhos, mas netos e bisneto. Ativista histórica e colaboradora de políticas públicas como o pioneiro programa Brasil Sem Homofobia, lançado em 2004, a fotógrafa assumiu ser lésbica aos 15 anos, em 1971, causando aquele silêncio em um almoço familiar de domingo. Sua madrinha, Ascendina, se apressou e saiu em sua defesa, calando qualquer um que pudesse discriminá-la. Yone guarda o rosto dela entre as mais de 50 tatuagens que traz no corpo, que incluem também referências aos filhos de criação e à militância.
Desde que se afirmou lésbica pela primeira vez, enfrentou a repressão da ditadura militar, encerrada em 1985; a patologização da homossexualidade, derrubada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1990; o estigma e o luto da fase mais aguda da epidemia de HIV/aids, entre os anos 1980 e 1990; e a construção dos direitos LGBTQIA+ nas últimas décadas.
“Eu tenho um amigo que define isso muito bem. Ele diz: ‘nós somos os fuscas do movimento LGBTQIA+. Quanto mais velhos, mais bonitos’”, brinca Yone.
“Se a gente não trabalhar muito bem o envelhecimento das pessoas, a gente vai acabar dentro das gavetinhas de novo, todo mundo separado e conseguindo muito pouco”, alerta Yone. “Acho que demoraram para acordar para isso. O movimento negro, o movimento de religiões de matrizes afro tem isso já no sangue. Né? Porque vêm de ancestralidade. O movimento indígena também. Enquanto isso, vamos combinar? Gays, travestis e trans tinham um grande problema com a idade.”
A ativista rejeita qualquer pressão para se enquadrar nos estereótipos de como deve se comportar uma mulher idosa, mas lamenta que muitos dos companheiros se recolhem no armário por depender dos cuidados de famílias que não os aceitam ou vivenciam a solidão.
“Conheci uma pessoa trans que morreu sozinha no seu apartamento e só acharam uma semana depois. Isso pra mim é muito cruel. Ela era uma pessoa que fazia shows, que era conhecida, mas a família não aceitava. Aí, ela foi envelhecendo, e aí como fica? Isso mexeu muito comigo também. Eu, de vez em quando, pego o WhastApp e mando mensagem para todas as pessoas mais velhas que eu conheço. Por que você sumiu? Cadê você? E, nessa hora, eu não quero saber quem você é, eu quero saber como você está.”
Memória e futuro
O ato que vai à Avenida Paulista em 22 de junho celebrará histórias como a de Yone, e o presidente da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, Nelson Matias Pereira, defende que lutar pelo envelhecimento com dignidade é lutar para que nenhuma pessoa seja deixada para trás.
“Envelhecer é uma conquista, mas, para muitas pessoas LGBT+, ainda é um desafio marcado pelo abandono, pelo silenciamento e pela ausência de políticas públicas. Em 2025, a Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo levanta a voz por quem resistiu, construiu e segue sendo exemplo de coragem”, destaca Pereira.
Como parte dessa agenda de celebrar o envelhecimento, o Museu da Diversidade Sexual abriu na última sexta-feira (30) a exposição fotográfica O Mais Profundo É a Pele, que faz parte da programação de eventos da Parada SP e exalta os corpos de 25 pessoas que contemplam todas as letras da sigla LGBT, como lésbicas, gays e transexuais, além de diferentes corpos e tons de pele. Entre eles, o de Yone Lindgren.
Rafael Medina, fotógrafo que assina a exposição, contou na abertura da mostra que, nos seus 20 anos, não tinha acesso a muitas referências do que era um homem gay mais velho, dos seus 50, 60, 70 anos.
Fonte: Agência Brasil


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