Carta ao futuro para um certo Joaquim Bem-vindo, esperado e amado Joaquim!
Escrevo estas inutilidades muito antes de você entender que elas servirão, um dia, apenas como referência distante a uma foto antiga na parede.
Por esses tempos, venho chegando a uma conclusão que tem me deixando feliz: os pais – e eu sou um deles – devem não apenas se conformar, mas também buscar alcançar a condição de irrelevantes para a continuação da existência dos filhos (eu nem contei isso ainda para sua mãe). Aliás, eles assim serão um dia com suas crias. Talvez seja essa desimportância alcançada, mais do que qualquer coisa, o que marca a passagem de uma geração para outra.
É o fim?
Não, de jeito nenhum. É o começo de uma nova e diferente etapa da vida: fazer-se reparar apenas – e se necessário – no momento em que vem o chamado do palco para assumir o papel de um coadjuvante de pouco ou nenhum texto, quase invisível na arte de lidar com a gente a quem mais amamos – longe, no entanto, do proscênio. Numa outra analogia, é ser como uma boia colada ao casco da embarcação, lembrada apenas no instante em que precisa ser vista.
Quando isso acontece, essa compreensão, creio, é sinal de que a maturidade já ocupa a nossa morada – porque dela precisamos; e os filhos já serão aos nossos olhos independentes e donos dos seus próprios desejos e medos – não mais precisarão dos nossos, desgastados e exauridos.
Você poderá até perguntar, um pouco mais na frente (agora, com menos de uma semana por aqui, você deve achar que veio ao mundo só para mamar. Aproveite!):
– O que um avô pode ensinar?
Imagino que pouco ou quase nada, pelo menos no meu caso. Talvez a jogar botão, mostrar alguns poucos e pobres acordes de violão, falar das palavras de que gosto – porque não gosto de todas não, viu? – e contar histórias que não se repetirão, porque aconteceram comigo ou porque eu as inventarei para que meu enredo tenha mais graça para você. As pessoas fantasiam principalmente sobre o passado, fique certo, e quando o dito arranca um sorriso, o mentiroso de ocasião solta imaginação e verbo.
Cá para nós, essa coisa de arrependimento eu não carrego mais não. Entendi, e suei muito para chegar a esse veredito, que sendo quem fui, o roteiro cumprido só poderia ser o já conhecido (e esquecido, espero) do ínfimo público que o testemunhou. E se hoje não faria igual ao que foi antes é só porque segui o destino dos homens cujo peito ainda teima em acelerar: mudei e continuo mudando, a cada giro da roda (não há sentença mais importante para nós do que a voz da consciência dizendo: não houve dolo!).
Vamos lá: eu não resisto em me jactar por uma conquista que julgo valiosa, o grande troféu de uma existência. Fiz alguns amigos e os preservo a todos, até mesmo os que na partida arrancaram o meu pranto (mas não quero lhe trazer minhas lembranças doídas). O que posso lhe dizer sobre isso é apenas o que entendo – e o que eu entendo há de parecer muito pouco. São, os amigos, a melhor prova de caráter que se possa colher de alguém. Não consigo me enxergar sem eles, em qualquer fase da minha sexagenária vida. Quem não os tem – e que sejam poucos, certo? – não haverá de encontrar um instante sequer de serenidade amparada e não levará consigo a certeza de que isso a que chamam de felicidade é tão somente saber que a solidão não existe enquanto temos alguém a quem chamar.
Veja como é fácil a gente se desmentir: o breve texto aqui escrito foi apresentado como um aceno ao futuro, e até agora eu só falei do meu passado (e do meu presente). É verdade que as pessoas gostam mesmo de se exibir, mas que fique claro: o seu enredo, este sim no futuro, não terá ghost writer nem memórias alheias E que belo escritor você há de vir a ser!
Despeço-me com beijos avoengos e a esperança de que nos encontraremos em breve, tão logo se anuncie a mudança dos ventos (não se surpreenda, mas por aqui você já anda muito falado, viu?),
Seu avô, Preto Velho
P.S.: Quando puder e for o tempo, diga ao João Vicente que ele está me devendo uma partida de botão (Corinthians x Fluminense) e uma sessão a dois de Chaplin (podemos começar com O Garoto).
@conexaonawebofc
Fonte: Blog Ricardo Mota
Cristão também pensa, apresentado por Alexandre Prado, traz entrevistas com personalidades do meio gospel, reflexões sobre temas bíblicos e atuais, coberturas dos principais eventos cristãos e muito mais.