Ibama perdeu 58,7% dos servidores em 20 anos, e tem o menor quadro desde 2001
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) dispõe, no momento, do menor quadro de pessoal desde 2001, quando chegou a 6 mil funcionários efetivos. Em março de 2021, o órgão responsável por fiscalizar o cumprimento das leis ambientais tinha 2.480 servidores estatutários. Esse número está em queda ininterrupta desde 2009, quando tinha 4.208 empregados.
Desde que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegou ao poder e nomeou Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente, o Ibama já perdeu 17,7% do seu quadro de funcionários. Os problemas ambientais no atual governo extrapolaram as fronteiras brasileiras e se tornaram assunto internacional, principalmente por conta do desmatamento na Amazônia, cujo enfrentamento é atribuição do Ibama.
A situação é tão grave que hoje o órgão tem mais cargos vagos do que servidores. A informação consta da Nota Técnica nº 16/2021 do Ibama, datada de 15 de maio. Nela, o órgão aponta que atualmente há mais de 3 mil postos sem servidores, e pede concurso para contratação de 2,3 mil novos funcionários. A projeção é que, em 2023, o número de vacâncias seja equivalente ao dobro do quadro de pessoal.
Como consequência, prossegue a nota, há a “diminuição do número de licenças [ambientais] analisadas/concedidas, diminuição da arrecadação do Ibama, atraso na análise dos processos e da cobrança, e aumento do desmatamento por falta de servidor para compor a fiscalização”.
Tanto Salles quanto o presidente do Ibama, Eduardo Bim, foram alvo de uma operação da Polícia Federal na quarta-feira (19/5). Eles são acusados de facilitar a exportação de madeira cortada ilegalmente.
Bim é suspeito de ter esvaziado setores de fiscalização do órgão e promovido uma política de perseguição contra servidores.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes autorizou o afastamento de nove agentes públicos do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama – entre eles, o presidente do órgão, Eduardo Bim.
Moraes justificou, ao aprovar a operação, que “a autoridade policial aduziu que os depoimentos colhidos demonstraram, em tese, uma gestão [de Bim] voltada ao esvaziamento do órgão sob seu comando (especialmente dos setores incumbidos da fiscalização) e uma franca política de perseguição contra os servidores que a ela se oponham, em verdadeiro descompasso com o seu cargo”.
As informações da redução do quadro do Ibama foram obtidas no Painel Estatístico de Pessoal (PEP), mantido pelo Ministério da Economia, e coletadas pelo (M)Dados, núcleo de análise de grande volume de informações, do Metrópoles.
O Ibama tem como atribuições o poder de polícia ambiental e a execução e fiscalização da Política Nacional do Meio Ambiente, relacionada a licenciamento ambiental, controle da qualidade ambiental e autorização do uso de recursos naturais, entre outras.
Para garantir o cumprimento dos deveres previstos, é necessário um quadro de servidores qualificado e suficiente, considerando que a autarquia atua em todo o território nacional. O ano com a maior quantidade de funcionários estatutários foi 2007, quando havia 6.023 pessoas na folha salarial.
Especialista sênior de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo aponta que, “apesar de se falar muito da área de fiscalização, o problema é na autarquia inteira”. Isso acontece, segundo a profissional, por conta de uma “visão míope” da questão.
“No licenciamento ambiental, são menos de 300 analistas, e ele examinam licenças para empreendimentos enormes. Se colocar mais 100 pessoas, poderia liberar obras importantes do governo, mas a visão é tão míope que eles preferem tentar acabar com a licença do que colocar mais gente para concedê-la”, avalia, em referência ao projeto aprovado na Câmara dos Deputados que muda regras de licenciamento.
Araújo foi presidente do Ibama entre 2016 e 2018. Ela conta que o último concurso para contratar servidores foi em 2012. “Já está passando da hora de ter. Em 2018, tentei um concurso emergencial para 800 pessoas e consegui aprovação em todas as etapas, menos no Ministério do Planejamento”, revela.
A secretária executiva da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista de Meio Ambiente (Ascema), Elizabeth Uema, aponta que, embora a área sempre tenha sido deficitária quando se trata de recursos humanos, “ela vinha em um crescendo até 2007, vinha-se conseguindo adequar o número de servidores às demandas”.
“Aí começamos a perder muitos quadros, por aposentadoria e outras razões, sem a reposição desses funcionários por concurso. Não vemos perspectiva nenhuma de recomposição, e a situação tende a ficar muito pior do que já foi em toda a existência. Os órgãos estão sendo canibalizados”, reclama Elizabeth Uema.
Hoje, prossegue ela, o Ibama não tem “quadros para fazer monitoramento, para avaliar se compromissos estão sendo cumpridos”.
“Em 2010, a fiscalização tinha cerca de 1,6 mil fiscais. Hoje, o Ibama como um todo tem cerca de 600”, relata.
Elizabeth Uema teme que a situação não melhore enquanto Bolsonaro estiver na presidência. “Pelo contrário, o governo fala em contratar temporários, em colocar polícias militares em atribuições que são do Ibama”. Ela questiona a ideia: “O concursado tem expertise, preparação e treinamento para isso. A função da PM é cuidar de segurança pública. A segurança está um caos, será que a PM não precisa dos seus quadros?”
Procurado, o Ibama não respondeu aos questionamentos até a publicação desta reportagem.
Estados perdem mais
A queda no quadro de servidores contratados nos estados é maior do que na sede, localizada em Brasília. A participação do número de funcionários lotados no Distrito Federal passou de 16,7% em 2001 – quando 848 dos 5.069 servidores estavam na capital federal –, para 27,1% em março deste ano, quando 673 dos 2.480 servidores estavam na capital federal.
“Tem algumas superintendências estaduais que estão em situação de pedir pra fechar porque não tem servidor”, apontou Araújo. Em Pernambuco, por exemplo, eram 250 servidores em 2001 e hoje apenas 57, o que representa uma diminuição de 77%. Em Alagoas, restam apenas 27 funcionários estatutários, contra 104 em 2001, o que equivale a uma queda de 74%.
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Fonte:Metrópoles